INTRODUÇÃO

Angola ainda não tem uma lei da criminalidade informática. Os crimes informáticos têm encontrado lacunas na lei.

Em 2011 a Assembleia Nacional tinha elaborado o “ante-projeto de Lei de Combate à Criminalidade no Domínio das TICs e dos Serviços da Sociedade da Informação”[1], mas nunca teve efetivação.

Em 23 de Janeiro de 2019 aprovou-se no Parlamento a proposta de Código Penal[2] e aguarda-se pela sua promulgação, publicação e entrada em vigor. Essa proposta de lei[3] institui os crimes informáticos.

Todavia, o Anteprojeto de Código Penal (ACP) não acolhe a sabotagem informática apesar de Angola registar ações maliciosas que se enquadrariam neste delito.

Assim analisaremos alguns ataques informáticos que afetaram o regular funcionamento dos sistemas para verificarmos as implicações da não previsão deste delito.

 

DESENVOLVIMENTO

O legislador não introduz no ACP um delito que sancione a interferência em sistemas ou, como é designado em várias legislações, a sabotagem informática[4]. Esse facto é gravoso pois os ataques informáticos mais sonantes até aqui registados em Angola enquadram-se neste crime e tiveram repercussões na espera pública.

O art.º 399º do ACP que regula o crime de dano informático faz uma previsão parcial deste delito na parte referente a causar “dano à integridade do sistema”.

O primeiro ataque de grandes proporções deu-se em 30 de Março de 2016, dois dias após 17 jovens ativistas, incluindo o rapper luso angolano Luaty Beirão, terem sido sentenciados por alegado plano de rebelião.

Foi reivindicado pelo “ramo português do coletivo de hackers Anonymous”[5] que diz que ter fechado “cerca de 20 sites do governo angolano em retaliação pelo encarceramento”[6] dos jovens, embora não tenha havido qualquer reação institucional.

Em esclarecimento difundido na em sua “página do Facebook no dia 29 de março de 2016, o grupo Anonymous Portugal listou os sites[7] do governo que afirmou ter atacado”[8], não estando nenhum dos sites acessível em 30 de março de 2016.

No dia 5 de Junho de 2019, a maior empresa pública angola – A Sociedade Nacional de Combustíveis (Sonangol) – sofreu um gravíssimo ataque informático tendo deixado a empresa completamente paralisada.[9] Este ataque coincidiu com a realização em Luanda da conferência internacional “Angola Oil & Gas” que reuniu mais de quinhentos gestores destas duas áreas, contando ainda com a presença do presidente angolano[10].

Os hackers acederam a mais de sete mil computadores, conseguindo “informação privilegiada” relacionadas não só à empresa como aos seus clientes tendo atingido as infraestruturas ligadas a Direção de Tecnologia de Informação, o que motivou a empresa a tomar medidas preventivas visando a proteção dos alvos mais críticos[11], fazendo “o shutdown dos sistemas informáticos e da rede de comunicações”[12] da empresa e a outra foi restabelecer o software de gestão de email (O Outlook). Os sistemas só reestabeleceram depois da intervenção dos técnicos.

O portal Maka Angola ao investigar sobre o ataque sofrido pela Sonangol constatou várias irregularidades[13].

De acordo a CNET[14], anos atrás, o blog de notícias críticas Maka Angola do jornalista Rafael Marques foi alvo de ataques repetido de DDoS, obrigando-o a receber assistência técnica do Project Shield (Google) da Jigsaw[15], que protege sites de poderosos ataques técnicos contra os ataques DDoS[16][17].

O mesmo jornalista investigativo era frequentemente alvo de violência técnica via malware personalizado implantado em seu laptop pessoal[18]. Desde então, recebe assistência de organizações sem fins lucrativos de segurança digital para proteger suas atividades online.

 

CONCLUSÕES

Os três ataques preenchem o crime de sabotagem informática.

Os especialistas acham que os dois primeiros ataques foram perpetrados a partir do exterior do país e Cremos que impulsionaram o Parlamento a aprovar um ano depois a Lei nº 7/2017 de 16 de Fevereiro (Lei de Protecção das redes e Sistemas Informáticos)[19][20].

Portanto, esses factos realçam a necessidade da aprovação do ACP e da inclusão da sabotagem informática porque em todos eles registou-se que os atacantes pretendiam “entravar, impedir, interromper ou perturbar gravemente o funcionamento” do sistema informático.

 

 

 

[1] http://www.mtti.gov.ao/VerLegislacao.aspx?id=456.

[2] Notícia constante no Jornal de Angola do dia 28 de Janeiro de 2019, escrita pelo jornalista Eduardo Magalhães, disponível em http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/artigos/o_novo_codigo_penal_angolano. Também encontra-se em https://www.dw.com/pt-002/angola-poderá-o-novo-código-penal-travar-a-criminalidade/a-47199914 (acedido aos 6-2-2020). Na sua aprovação teve 155 votos a favor, 1 contra e 7 abstenções.

[3] https://www.wipo.int/edocs/lexdocs/laws/pt/ao/ao026pt.pdf.

[4] A sabotagem informática é uma autêntica arma eletrónica.

[5] https://www.thestar.com.my/tech/tech-news/2016/03/31/anonymous-cyberattack-hits-angola-govt-after-activists-jailed/

[6] Idem

[7] https://www.google.pt/search?q=cyber+attack+angolan+government&client=opera&sa=N&biw=1496&bih=722&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=8J8-AOPYpnmKPM%253A%252C_4JhB6R6UQNq_M%252C_&vet=1&usg=AI4_-kRQpupoKbkJWx9UPbddjSsFxiTuiQ&ved=2ahUKEwiilPyxrLnjAhXmA2MBHSE-DYg4ChD1ATADegQIBhAE#imgrc=8J8-AOPYpnmKPM:&vet=1.

[8] https://clubofmozambique.com/news/anonymous-cyber-attack-shuts-down-20-angolan-government-websites-after-activists-jailed/.

[9]https://www.jornaldenegocios.pt/economia/mundo/africa/angola/detalhe/sonangol-foi-alvo-de-ataque-informatico.

[10] http://www.novojornal.co.ao/economia/interior/sonangol-ataque-informatico-obriga-a-medidas-extraordinarias-para-processar-salarios-de-junho-73307.html.

[11] https://observador.pt/2019/06/07/imprensa-angolana-da-conta-de-ataque-cibernetico-a-petrolifera-sonangol/.

[12] https://www.angop.ao/angola/en_us/noticias/economia/2019/5/23/Oil-company-Sonangol-targeted-cyber-attack,9f7b89d6-bb91-42c3-b886-93cdb3691e3a.html.

[13] https://www.makaangola.org/2019/08/ataque-cibernetico-a-sonangol/.

[14] É um site de mídia americano que publica críticas, notícias, artigos, blogs, podcasts e vídeos sobre tecnologia e eletrônicos de consumo em todo o mundo, https://en.wikipedia.org/wiki/CNET.

[15] O Project Shield é um serviço anti-distribuído de negação de serviço (anti-DDoS) oferecido pela Jigsaw, uma subsidiária da empresa-mãe do Google, Alphabet Inc., para sites que possuem “mídia, eleições e conteúdo relacionado a direitos humanos.

Este projeto tem ajudado jornalistas, ativistas e outros de botnets de DVRs invadidos e câmeras de segurança usadas para inundar sites com dados, https://en.wikipedia.org/wiki/Project_Shield.

[16] Alfred Ng, “Google’s Project Shield defends free speech from botnet scourge,” CNET, September 29, 2016, https://www.cnet.com/news/google-project-shield-botnet-distributed-denial-of-service-attack-ddos-brian-krebs.

[17] Botnets IoT são a moderna metodologia de ataques DDoS, no qual os atacantes usam como ferramentas os “DVRs, câmeras habilitadas para IP, equipamento de cabo doméstico e muitos outros dispositivos conectados à IoT” Ainda o autor alerte que “Pior, as motivações dos atacantes nem sempre afetam a disponibilidade dos serviços, mas distraem a equipe de TI para acender um incêndio ali enquanto o crime real está acontecendo aqui. Impedir a resposta a outros ataques parece ser uma tática sólida para os criminosos; Neustar disse que os clientes relataram encontrar malware, dados perdidos ou propriedade intelectual e roubo financeiro após um ataque de DDoS”. IoT Botnets Are The New Normal of DDoS Attacks. Michael Mimoso. October 5, 2016, https://threatpost.com/iot-botnets-are-the-new-normal-of-ddos-attacks/121093/.

[18] There is a detailed account of how the malware was discovered during an international conference. See: Michael Moynihan, “Hackers are Spying On You: Inside the World of Digital Espionage,” Newsweek, May 29, 2013, https://www.newsweek.com/2013/05/29/hackers-are-spying-you-inside-world-digital-espionage-237478.html.

[19] https://animalexdominis.files.wordpress.com/2018/03/proteccc3a7c3a3o-das-redesesistemas-informc3a1ticos-2017.pdf. No art.º 2º ler-se no nº 1 que “A presente lei aplica-se ao ciberespaço da república de Angola, contra qualquer acto de ataque, roubo informático, ciber-ataque e incidentes informáticos”.

[20] https://www.menosfios.com/lei-os-ciberataques-ja-esta-vigor-angola/.